Filhos em Tempos de Crise: O Elo Entre Clima e Natalidade
- Ana Luísa Sales Lagares
- 9 de jun.
- 3 min de leitura
Em 1950, cada mulher no mundo tinha, em média, quase cinco filhos. Em 2021, esse número caiu para pouco mais de dois. A taxa de fecundidade global está em queda constante e não se trata apenas de avanços na saúde ou no acesso a métodos contraceptivos. Algo mais profundo está acontecendo. Afinal, em um planeta instável, onde a espécie humana se encontra ameaçada por um clima cada vez mais extremo, muitos se perguntam: "Vale a pena trazer uma criança para isso?"
Em primeira análise, é inegável a existência de um consenso científico de que crianças nascidas no contexto atual terão vidas bem difíceis devido à crise climática. Nesse sentido, de acordo com estimativas recentes, mantidas as politicas atuais, 92% das crianças nascidas após 2020 terão que conviver com ondas de calor extremas. Ademais, as de baixa renda estarão suscetíveis a sofrer consequências ainda mais severas, como eventos climáticos anormais frequentes, podendo causar destruição e mortes. Com isso, cresce um sentimento de incerteza entre casais, que se questionam a respeito das implicações éticas e práticas de inserir mais uma vida nesse meio sucessivamente mais volátil, tendo conhecimento de que a situação tende a piorar.
Paralelamente, em uma sociedade perpetuada por um ativismo climático crescente, algumas pessoas estão escolhendo não ter filhos por quererem evitar agravar o aquecimento global. Isso acontece pois, segundo análises científicas, o impacto climático de ter um filho é sete vezes maior do que o impacto evitado pelas 10 principais ações individuais geralmente recomendadas para ajudar o meio ambiente. Entretanto, é importante ressaltar que essa análise não é absoluta, dado que a complexidade dos fatores envolvidos na crise climática é muito alta e que muitos outros aspectos devem ser levados em consideração. Assim, essa permanece sendo uma discussão bastante acalorada nos dias de hoje.
Surpreendentemente, trazendo uma nova camada de repercussões, estudos recentes mostram que as condições climáticas extremas juntamente com a poluição do ar têm aumentado os níveis de infertilidade nos últimos anos. Esse fenômeno acontece pois, para os homens, a exposição ao calor extremo pode afetar negativamente a qualidade do sêmen e os níveis de testosterona, e nas mulheres, pode impactar a menstruação, a ovulação e a implantação de óvulos fertilizados. Além disso, um estudo chinês publicado na revista científica Environment International em 2021 concluiu que a exposição à poluição do ar aumenta em até 20% as chances de infertilidade.
Em conclusão, as mudanças climáticas representam uma ameaça não apenas para a mentalidade das pessoas - em especial os jovens, que sentem uma imensa ansiedade ao refletirem sobre o futuro do planeta mas também para os aspectos fisiológicos da fertilidade. Desse modo, é evidente que o fator climático pode ser extremamente útil para explicar a atual crise na taxa de natalidade. No entanto, é importante destacar que a relação entre o clima e a fertilidade é complexa e multifacetada, com diversos outros mecanismos estando envolvidos na dinâmica populacional e na saúde humana. Portanto, é fundamental que se realizem mais estudos e pesquisas para se compreender melhor essas interações. E, acima de tudo, é entender que uma decisão individual não determina o futuro do planeta, e sim um esforço constante e coletivo. O tempo de mudanças superficiais já passou. Precisamos romper com as estruturas colossais que definem os nossos futuros e os dos nossos filhos. E rápido.
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